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domingo, 23 de outubro de 2011

Da janela do ônibus


No cruzamento da Bernardo Vieira com a Prudente de Morais, mais ou menos, avistava do quarto assento do lado direito do coletivo, obviamente o lado da janela, um homem e um menino – provavelmente seu filho – na parada reservada aos ônibus do interior, já em frente ao Midway, um pouco distante. O ônibus foi se aproximando, e vi que o menino parecia ter fome. Seu pai franzia a testa, que parecia receber os raios de um forte sol do meio dia só seu, semi-aparado, olhando pra ver se havia vaga debaixo das árvores da região. Mas as rugas momentâneas da testa não eram devidas somente ao sol, não.
Sob a viseira do boné da campanha passada para o governo que tentava proteger o homem do sol, podia-se notar o abatimento moral daquele pai que via o filho como uma estátua de olhos brilhantes e água escorrendo da boca rachada olhando, sem outro foco, para um carrinho de milho e pamonha que costuma estacionar por ali. O menino, de sete ou oito anos, parecia um leproso olhando para Cristo – pelo menos depois de ver essa cena, era assim que eu imaginava o olhar de um leproso.
Logo chegou o ônibus com destino a Ceará-Mirim, que nem já para mais no local. E o homem de vestes simples que portava uma mala cheia de alguma coisa pesada puxou a mão de seu filho após chamá-lo umas três ou quatro vezes. Aquele pai parecia fazer algum esforço, e um bom esforço, e mais esforço para que o filho andasse, mas nada acontecia, nada movia o corpo magricelo daquela criança, que vestia uma bermudinha surrada, mais ou menos uns seis ou oito números acima do que o menino deveria vestir – era segurada por um pedaço de fio de antena amarrado do lado esquerdo aquele pequeno quadril.
Por fim, meu ônibus seguiu o itinerário, mas, arriscando minha cabeça, consegui ver o pai do menino tomando a mão de seu filho e o induzindo a chupar o dedão. O menino punha a mão livre no vidro da janela em que sentava, parecia querer pegar com a força do olhar e da mente inocente o milho que o vendedor entregava ao carona de um Corola que esperava quase sem paciência pelo troco da nota de vinte reais que usara para os grãozinhos amarelos que perseguiram o cearamirinesezinho nos sonhos daquela noite.

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